A CHUVA EXPULSADEIRA DOS SERTANEJOS

Anoitece. Nos confins do Duro, povoado distante milhas e milhas do progresso, um galo canta despertando a noite para a angústia de um céu sem estrelas, sem luar, sem violão.

Adolfo, cansado, pernas de ontem e coração sem amanhã, resmunga com Anastácia sobre a inquietação do bebê da casa, que não para de chorar.
O pequeno Firmino à beira da desnutrição e quase rouco de tanto chorar, desconhece tamanha dor por que passa nesta vida.
Anastácia, a pobre Anastácia, é um símbolo de mulher nascida para sofrer e ser mãe. Seu corpo, de pouco mais de 30 anos, frágil já não possui a beleza que fazem da mulher tema de poesia e canção, pois há muito a abandonaram, deixando em seu lugar os

mais lúgubres reflexos de uma vida acidentada pelo destino vingativo.
Forte é o desespero de Adolfo, e maior ainda é o seu desânimo para a caminhada na vida. 
O rebento, tão sonhado pelo casal para coroar seu amor, tinha que sobreviver às intempéries do momento.
Adolfo, inconscientemente, imaginava que tudo poderia melhorar. Toda dívida tem seu preço e vencimento. Noites e noites o pobre camponês rezava para São Pedro fazer chover em sua humilde plantação. Parecia que o santo das chuvas ignorava ou não entendia o seu pedido e, a cada dia, a terra em feridas parecia engolir a esperança de vida de todos daquele povoado. 
Aquela noite parecia ser eterna, quando, de repente, um doloroso calor subiu das rachaduras da terra, abrindo as torneiras do céu. Todo lugarejo em polvorosa era um misto de alegria e apreensão, e as águas que rolavam ladeira abaixo iam levando também, consigo, os poucos gramas de esperança que lhe restavam. Parecia o segundo dilúvio que ameaçava a segurança de Adolfo, Anastácia e Firmino.
Anastácia, desesperada, a todo custo, com sua escassa força física, tentava a sobrevivência na lagoa em que se transformava seu nicho engoteirado. Adolfo, com uma fúria de maré, acercava-se de toras de paus para manter em pé as paredes de taipa do seu lar. Firmino, como que ninado pelos anjos, de olhos no infinito, sem dar um pio, tudo via e tramava conclusões para o seu caderno de memórias.
Deus permite que a chuva e um sol de formidável esplendor venha fotografar a cara do tempo pálido de medo. O verde, em êxtase, e os poucos animais sobreviventes da seca e das chuvas, prostrados. O vento soprava frio entre as varas desencapadas das paredes de sopapo, do lar de Adolfo, Anastácia e Firmino.
Nascia o recomeço da labuta, da reconstrução. Mas, na mente dos nossos personagens, a ignorância reinava alheia ao significado de tamanho exemplo de fúria do destino, que tentou, bruscamente, em favor da preservação da vida.
E o amanhã se fez vítima da perseverança do camponês e de sua família que rumaram com destino aos viadutos da capital.
Hoje eles vivem à mercê do tempo, dos dias escaldantes e poluídos, das noites frias e solitárias, como a mente no passado e as mãos estendidas aos santos da cidade, que também não entendem ou não ouvem suas orações.

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